As constelações familiares também funcionam sempre como terapia de casal. Juntamente com os processos entre pais e filhos, a relação entre o homem e a mulher é o coração da Psicoterapia. É bem verdade que, nos chamados “movimentos da alma”, nosso horizonte se estendeu para além da constelação familiar, abrangendo nossa inserção em contextos existenciais mais amplos: a relação entre vivos e mortos e entre agressores e vítimas, a guerra, conflitos de nacionalidades e religiões. Não obstante, as constelações voltam sempre a afetar em seus efeitos a relação conjugal e as relações familiares.
O sucesso do amor entre o homem e a mulher talvez seja o nosso anseio mais profundo, e o fracasso desse amor faz parte de nossos medos e sofrimentos mais profundos. Surpreende-me sempre constatar que a pressão pelo sucesso das constelações nos grupos para casais é muito maior do que nos seminários para pessoas doentes, onde freqüentemente se trata de vida e de morte. No aconselhamento de casais percebe-se também, de modo especial, uma alta expectativa dirigida ao terapeuta ou ao aconselhador. Pois trata-se de decisões sobre o prosseguimento da vida em comum e das conseqüências que acarretam para os parceiros, os filhos e as bases materiais da vida. Trata-se também das mágoas e dos medos associados ao amor, onde somos ainda mais vulneráveis do que no tocante à nossa integridade física.
Na seqüência, abrirei uma perspectiva de conjunto sobre os caminhos da terapia de casal, a partir da experiência com as constelações familiares e do trabalho com os fatores que as condicionam.
Pressupostos para o bom êxito de uma terapia de casal
Os casais procuram ajuda em suas necessidades, mas freqüentemente com idéias que estragarão qualquer ajuda se forem acolhidas pelo terapeuta. O denominador comum dessas idéias é o abandono da responsabilidade pelo sucesso do aconselhamento. Neste particular, a fantasia usual de um ou de ambos os parceiros é que algo se deteriorou em seu relacionamento e que cabe ao terapeuta, como perito e especialista, repará-lo em sua “oficina”. Ou então o casal procura um juiz para resolver o seu caso, alguém que ouça os argumentos das ambas as partes e dê o seu justo veredicto. Alguns buscam no terapeuta, de um modo mais pessoal, uma autoridade cheia de amor que, à maneira de um aliado, um pai ou uma mãe, saiba o que se deve fazer e se imponha ao outro parceiro.
Conflitos de casal assumem freqüentemente a forma de um desacordo em decisões relevantes, onde cada um procura mudar o outro para que se ajuste a sua experiência de vida, a seus desejos e convicções. Como, apesar de intensos esforços, não lhe bastou para isso a força de sua persuasão, ele transmite ao terapeuta, de forma aberta ou velada, o seu real desejo: “Convença-o você, eu não consigo”. Mormente no atendimento individual, quando apenas um dos parceiros procura conselho, transparece este apelo: “Meu parceiro não me dá o que preciso, não me dá atenção, não está disponível para mim. Por favor, dê-me atenção, esteja disponível para mim, seja para mim uma pessoa familiar e confiável”. Assim, o terapeuta é solicitado a preencher uma lacuna para a satisfação das necessidades infantis ou conjugais do cliente.
A montagem da constelação familiar, em sessão de grupo ou na consulta individual, com a preservação da atitude fenomenológica que fundamenta esse trabalho, ajuda o terapeuta a não acolher esses desejos com a intenção de ajudar o casal. Em vez disso, ele deve manter a atitude imprescindível para se alcançar uma solução. Ele entra em sintonia com a alma ou com o campo de relacionamento do casal. Acompanha a vibração do sistema do relacionamento, através da constelação ou de outro método que lhe permita ver e entrar em contato. E faz com que se manifeste, através daquilo que se mostra, algo que seja importante para o casal e o faça avançar. O terapeuta apenas transmite uma indicação ou um conselho essencial, e depois se retira. Não acompanha o processo do casal até a solução. No máximo, comporta-se como um navegador experimentado que, de acordo com o objetivo do casal, indica o caminho ou mesmo assume o comando em seu trecho inicial.
Terapeutas não são mecânicos, juizes, correligionários, pais ou familiares. Um aconselhamento de casal não tem por função modificar a personalidade dos parceiros. Ele permanece sempre incompleto e visa apenas o que é exigido para o próximo passo. Permanecem com o casal o objetivo e o caminho da solução, bem como a responsabilidade e a força para resolver o problema. Assim se preserva a dignidade do casal, bem como a do terapeuta.
O que o aconselhador pode fazer de mais importante pelo casal em sua necessidade, antes mesmo de abrir-lhe uma nova perspectiva sobre sua mútua relação, é interromper os padrões que impedem e destroem o relacionamento. Da mesma forma como recusa acolher as idéias dos parceiros sobre a maneira de ajudá-los, ele interrompe rapidamente os padrões de pensamento e de comportamento que são parte do problema e não trouxeram ajuda até o momento. As constelações familiares, seja em grupo ou em sessões individuais, são uma grande ajuda metódica, já pelo simples fato de que afastam imediatamente os parceiros de discursos estereotipados sobre o relacionamento, levando-os a um olhar conjunto sobre a constelação e, consequentemente, sobre os movimentos mais profundos que fazem progredir o seu relacionamento.
Soluções com vistas às ocorrências dentro do relacionamento do casal
A atenção do aconselhador ou do terapeuta deve se voltar inicialmente para o que ocorreu na história do casal, investigando o que aconteceu por obra do destino ou por responsabilidade pessoal de um ou de ambos os parceiros e os levou aos limites de seu relacionamento. Cito aqui alguns pontos mais importantes, com breves exemplos.
Vínculos anteriores não honrados
Relacionamentos anteriores que criaram vínculo através de um profundo e marcante exercício da sexualidade e foram desfeitos com mágoas ou sentimentos de culpa, pelo menos de um dos parceiros, interferem nas relações ulteriores. Quando o amor, a dor e o preço pago na ligação anterior não são honrados no novo relacionamento, isso não apenas induz filhos dos novos relacionamentos a representar ex-parceiros dos pais que não foram devidamente respeitados, como também impede, muitas vezes, os novos parceiros de assumir sua relação, pelo preço que custou aos parceiros anteriores. O ciúme, por exemplo, é uma forma inconsciente de lealdade a uma ligação anterior do parceiro. Quando um homem abandona sem necessidade sua mulher para viver com uma amante, o ciúme desta freqüentemente destrói a nova ligação. Ela não consegue assumir a relação pelo preço que custou à parceira anterior, e torna-se igual a ela no medo de perder o homem para uma outra mulher.
As ligações anteriores são muitas vezes esquecidas, reprimidas ou não reconhecidas em seus efeitos posteriores. Um homem se queixou de que, depois de dois casamentos e de um terceiro relacionamento mais longo, apaixonara-se de novo, mas a mulher não queria casar-se com ele. Em sua constelação verificou-se que todas as mulheres estavam zangadas com ele, inclusive as duas filhas de seu primeiro matrimônio. Só após um persistente interrogatório ele revelou, com um gesto depreciativo da mão, que aos 17 anos tivera um amor de juventude com intenso envolvimento sexual e que, pouco depois de ter-se separado dessa moça, ela foi internada numa clínica psiquiátrica. Uma representante dessa mulher foi então incluída na constelação. Ela chorou amargamente e todas as outras mulheres tinham lágrimas nos olhos. Somente quanto o homem a encarou como seu amor de juventude, falou-lhe como a sua primeira mulher, mostrou compaixão com seu destino e a abraçou de novo com amor é que ela ficou tranqüila e sorriu. As outras mulheres também abriram sorrisos e a última delas disse: “Agora já posso pensar em casar-me com ele”. E, de fato, os dois se casaram depois.
Ocorrências traumáticas no relacionamento conjugal
Entre as ocorrências que atuam como graves ofensas na relação de um casal e com freqüência acarretam a separação, porque o destino não pode ser carregado em comum, enumeram-se: filhos prematuramente falecidos, abortos provocados, abortos espontâneos em grande número, ausência de filhos, sexualidade deficiente, doenças graves, acidentes, culpa real ou imaginária em relação ao parceiro ou a outras pessoas, ameaça às bases da existência e graves ameaças à integridade do corpo ou da alma. Com a ajuda de uma constelação é possível conjurar forças que possibilitem aos parceiros a superação conjunta do evento traumático, reforçando o vínculo ou então levando-os a aceitar o fato de que já não podem assumir em comum o destino ou a responsabilidade.
Uma mulher procurou um grupo porque buscava um caminho para dissolver o “profundo mutismo” que havia entre ela e o marido. A constelação de sua família atual mostrou realmente que havia um abismo entre o casal, o que fez com que a atenção se desviasse imediatamente dos filhos para os pais. Perguntada sobre que fatores de separação houvera entre ela e o marido, a mulher logo disse que tinha havido ainda uma quarta criança, bem mais nova, fruto de uma noitada, que eles decidiram abortar. Foi colocado um representante para essa criança, que sentou no chão, entre os pais. Os representantes dos pais olharam imediatamente para a criança, colocaram-se juntos atrás dela, puseram espontaneamente as mãos sobre sua cabeça, olhavam alternadamente para a criança e entre si e deixaram silenciosamente correr suas lágrimas. A mulher que colocara sua família estava sentada na roda e também chorava em silêncio. Os representantes dos filhos deram um passo para trás, afastando-se dos pais, e simplesmente ficaram olhando. Terminada a constelação, a mulher agradeceu e disse que ela tinha salvado a sua vida. Admirado, o terapeuta lhe perguntou o que ela queria dizer com isso. Ela respondeu: “Pouco depois do aborto apanhei um grave reumatismo e imediatamente reconheci que esta era a minha forma de expiar pelo aborto”. No dia seguinte, ela contou que, na noite do próprio dia da constelação, seu marido regressou de uma longa viagem de negócios e ela lhe contou o que se passara. Então ele se sentou no sofá, chorou muito e disse: “Eu sempre me senti muito culpado”. E passaram toda a noite conversando.
Num grupo de constelação familiar, um homem manifestou, como seu problema, que sua mulher se esquivava dele e tratava sem amor a filha e um filho mongolóide, que estava internado num asilo. Na constelação, a mulher realmente se mostrou isolada e totalmente fria. Os três filhos – pois tinha havido um outro filho mongolóide, o mais novo, falecido aos quatro anos de idade– se distanciaram dos pais, afastando-se, e a filha se colocou entre a mãe e os irmãos, como se quisesse protegê-los. O terapeuta perguntou então ao homem se tinha havido recriminações pelos filhos que nasceram mongolóides. O homem engoliu em seco e disse: “Sim, meus pais fizeram graves acusações à minha mulher, dizendo que ela trouxera da família uma péssima herança genética e jamais deveria ter-se casado comigo. E eu defendi meus pais e suas acusações”. Então o terapeuta colocou esse homem diante da representante de sua mulher e pediu aos dois que se olhassem demoradamente, realmente encarando-se. Isso entretanto era visivelmente difícil para eles. Finalmente o homem conseguiu dizer à mulher: “Sinto muito. Coloquei em você todo o peso do destino de nossos filhos doentes. Juntamente com meus pais, responsabilizei você e sua família e a magoei muito. Se você ainda puder aceitar isto, estou disposto agora a retirar minha acusação e a carregar com responsabilidade e amor, junto com você, o destino de nossos filhos”. – Então a representante de sua mulher se lançou em seus braços e chorou por longo tempo. Em seguida ela o encarou amorosamente, caminhou para os filhos e os abraçou. Quando o pai se aproximou, por sua vez, e juntamente com sua mulher abraçou os filhos, eles finalmente aceitaram a proximidade da mãe.
Na terapia de casal e nas constelações que revelam a dinâmica dos relacionamentos verificamos portanto quais são os eventos que atuam como fatores de separação num relacionamento e que caminho se oferece ao casal no sentido de carregar algo em comum, restaurar a ligação, assumir a dor da perda e deixar que o passado seja passado. E verificamos como um casal pode lidar com tais eventos. Mesmo quando for inevitável a separação, os acontecimentos que separam podem, passado algum tempo, descansar em paz e a relação pode terminar com amor e dignidade.
A ordem confiável na família
Freqüentemente o amor entre o homem e a mulher é impedido por não serem reconhecidas as condições para o crescimento da relação. Neste caso, a constelação é útil para encontrar as formas de restabelecer a ordem no sistema.
Por exemplo, uma das condições mais importantes para o bom êxito do amor é que, no processo de dar e tomar, se volte sempre a alcançar uma compensação positiva. Quem toma, também deve dar; se ama, deveria dar um pouco mais do que recebeu. Assim, através do amor, a troca recíproca é estimulada no sentido de um alto investimento de vida. A isto chamamos felicidade. Mas essa felicidade é também difícil. Ela exige muita coisa dos parceiros, que então dificilmente podem separar-se. Às vezes, alguém já não consegue sustentar a troca crescente do dar e tomar, e talvez se sinta atraído por um outro parceiro, com quem possa trocar menos. Ou então minimiza com críticas o que recebe, para sentir-se menos obrigado.
A compensação entre o dar e o tomar funciona nos relacionamentos como uma lei natural. Se o desequilíbrio cresce demais, a relação não consegue suportá-lo. Se, por exemplo, a mulher custeou para o marido uma formação superior, sustentando-o, é freqüente que ele a deixe depois, porque a compensação se torna muito grande e difícil para ele. Quando um dos parceiros traz um grande peso em bens, relacionamentos anteriores, filhos, destino, caminho de vida, e o outro não pode contrapor-lhe nada de equivalente, isso pode destruir o relacionamento depois de algum tempo. A gratidão e o amor podem aliviar parte do desequilíbrio, mas muitas vezes é difícil.
Também as ofensas exigem compensação. Enquanto o parceiro ofendido quiser permanecer inocente não haverá possibilidade de compensação. Se, inversamente, o revide for tão grande que cause ao outro um sofrimento ainda maior, a relação entrará num círculo vicioso de brigas e ofensas recíprocas, que só conhecerá pausas pelo esgotamento e geralmente sobreviverá a uma separação. A solução, neste caso, é buscar a compensação através de uma zanga ou de uma exigência menos ofensiva, que respeite o parceiro e o convide a retomar o amor, dando-lhe a oportunidade de reparar algo amorosamente e de dar algo bom de um modo diferente.
Citarei aqui, de modo sucinto, outras formas das ordens do amor. A primeira é a primazia da relação do casal sobre o cuidado dos filhos – pois o cuidado dos pais pelos filhos aumenta com o amor recíproco entre os pais. Se este é sacrificado em benefício do cuidado com os filhos, isto separa os pais e os filhos não o aceitam, porque os pais pagam o preço em sua relação.
Já nos sistemas familiares complexos, onde existem filhos de relações anteriores, a ordem correta confere primazia ao cuidado pelos filhos dessas relações. Contudo, no que toca à relação entre o homem e a mulher, prevalece o novo sistema.
Naturalmente resultam conseqüências de peso para uma relação e para os filhos quando um parceiro que tem um filho de uma relação anterior silencia este fato e não provê a criança. Para além da ignorância do fato, isso pesa também sobre o relacionamento seguinte e os filhos subsequentes.
Obviamente, é muito importante que a relação do casal seja confiável como relação entre um homem e uma mulher. Por outras palavras, o homem deve ser e permanecer homem e a mulher deve ser e permanecer mulher. Os parceiros devem sentir necessidade e confiança mútua, sobretudo no que se refere à sexualidade e ao provimento das condições de vida.
Devemos considerar também outra ordem do relacionamento, fruto da percepção que Bert Hellinger exprime com esta frase: “A mulher deve seguir o homem (em sua família, em seu país, em sua cultura) e o homem deve servir ao feminino”.
Na terapia de casal devemos, portanto, ter em vista o que está em desequilíbrio na relação e como é possível restaurar uma troca positiva e aberta para o futuro, ou então conseguir uma compensação que possibilite uma boa separação. Verificamos, ainda, o que precisa ficar em ordem na relação, de modo que ela volte a ser vivida de uma forma confiável.
Soluções com vistas a acontecimentos e destinos nas famílias de origem
Talvez o aspecto mais importante na terapia conjugal seja a percepção dos envolvimentos dos parceiros nas respectivas famílias de origem. Esta é freqüentemente a zona menos perceptível para os parceiros e é aí que as constelações lhes fornecem o maior esclarecimento. De fato, a terapia de casal sempre levou em conta a interferência de necessidades infantis insatisfeitas e de traumas de infância. Entretanto, foi somente através das constelações familiares que foram percebidos, em toda a sua amplitude e em seus efeitos trágicos, os envolvimentos profundos dos parceiros em destinos que abrangem várias gerações e em temas familiares não resolvidos. A maioria dos problemas sérios de relacionamento nada tem a ver com o próprio casal e com seu amor recíproco. Cegamente absorvidos em conflitos não resolvidos, e muitas vezes inconscientes, de antepassados das famílias de origem, os parceiros carecem de compreensão e sensibilidade em seu relacionamento e projetam ou procuram resolver um no outro o que malogrou em seus antepassados por força do destino ou por responsabilidade pessoal.
Comportamento cego de ambos os parceiros com respeito a destinos e eventos anteriores
Num grupo para casais, um deles constelou o seu sistema atual. A mulher trouxera para o novo casamento um filho de um matrimônio anterior. Na nova relação, embora recente, já havia muita briga. Na constelação evidenciou-se que a mulher tinha muito pouca consideração pelo ex-marido e uma grande esperança de que o novo marido viesse a ser um pai melhor para a filha dela. A relação entre a mãe e a filha era muito estreita, e o marido atual se sentia estranho e olhava para fora. Nessa constelação, a filha assumiu e honrou seu pai. O marido atual ficou aliviado e encontrou um lugar ao lado de sua esposa. Parecia que a constelação tinha funcionado e trazido solução.
Entretanto, à noite o marido procurou o terapeuta. Disse que se sentia muito mal e que também não revelara o mais importante: que tinham sérios problemas no relacionamento sexual, onde ela fazia muitas exigências que ele não podia satisfazer. No dia seguinte, o terapeuta fez com que o marido montasse a constelação de seu sistema de origem. Ela evidenciou que o homem tinha uma estreita ligação com sua mãe e assumia junto dela o lugar do pai. O representante do pai olhava para fora do sistema, totalmente fascinado por algo terrível. Averiguou-se que, no decurso de uma longa fuga da prisão, que durou três anos, ele fuzilou um homem que lhe barrara o caminho. Na compreensão desse evento, que foi muito comovente para o casal, evidenciou-se que o marido não ousava aceitar o amor de uma mulher nem gerar um filho, porque o regresso do pai ao lar e seu conseqüente casamento com sua mãe só foram possíveis através do assassinato de uma pessoa. Este era um importante quadro de fundo para os problemas sexuais por parte do marido. Um cartão postal enviado pelo casal, nas férias que se seguiram, dava a entender que algo se resolvera em sua relação.
Mas esta história ainda teve prosseguimento. Algum tempo depois, a mulher ligou para o terapeuta. Disse que houvera muitas melhoras no casamento e que o marido mudara muito e estava muito afeiçoado a ela. Mas ela se sentia de novo intranqüila e insatisfeita quanto à relação sexual. Então, através de duas breves ligações telefônicas, entrou em contato com uma avó que, depois da morte de seu primeiro marido, por quem tinha muito amor, tivera uma vida muito infeliz e uma relação muito insatisfatória com os homens que se seguiram. Percebendo sua estreita ligação com essa avó, a mulher conseguiu acolhê-la amorosamente em seu destino e desidentificar-se dela. Num outro cartão de férias comunicou que agora estava muito satisfeita e que estava bem com o marido.
A dupla transferência
Um fenômeno freqüente em conflitos sérios entre parceiros aparece no que Bert Hellinger chamou de “dupla transferência”. Se uma injustiça cometida entre um homem e uma mulher, numa geração anterior, não teve a devida compensação, esta é transferida para seus descendentes. Ela atinge então pessoas totalmente inocentes, acrescentando uma nova injustiça à primeira. Assim, por exemplo, uma mulher “bondosa” e compassiva tolera, por anos a fio, os casos públicos de seu marido que muito a magoam, mas sua filha assume a vingança em nome da mãe. Entretanto, como também ama e protege o pai, vinga-se em seu marido, molestando-o abertamente com um namoro. A transferência no sujeito significa aqui que ela age em lugar de sua mãe. E a transferência no objeto significa que a compensação não se dirige à pessoa do pai, mas ao marido. Embora inocente, este é chamado a pagar por uma injustiça na família de sua mulher. Ao mesmo tempo a filha torna-se semelhante ao pai em seu comportamento, não agindo melhor do que ele.
Certa mulher estava sempre muito irritada com seu marido e, como ela própria notou, sem razão. Na constelação, ficou claro que ela representava uma tia que, como primeira filha de mãe solteira, fora totalmente excluída da família por seu avô. Em substituição a essa tia, a mulher assumiu a raiva pela injustiça mas, poupando o avô, dirigiu-a contra o próprio marido. Ao mesmo tempo, e sem consciência do fato, deu à sua filha mais velha o mesmo nome da tia. A história somente lhe foi revelada por uma conversa telefônica posterior com o próprio pai.
Uma outra mulher, que era bonita mas tinha uma fisionomia muito carregada, era seguidamente abandonada pelos homens. Não dava a impressão de ser agressiva, mas comportava-se como uma vingadora cautelosa, aguardando o momento certo para o golpe. As informações sobre sua família revelaram que sua mãe, aos doze anos de idade, fora estuprada e quase morta. Na constelação a mulher experimentou o medo pânico de sua mãe e, assumindo o papel de sua representante diante do agressor, bradou-lhe no rosto: “Eu mato você!” Foi somente o reconhecimento desse agressor como primeiro homem da mãe, e uma profunda reverência da mãe e da filha diante do destino que uniu a mãe e seu agressor como homem e mulher num evento terrível e sem saída, que trouxe alívio e luz ao semblante da jovem mulher. Então ela pôde entender seus impulsos de vingança diante dos homens, e em que medida nisso ela se ligava à mãe e ao mesmo tempo se tornava semelhante ao agressor.
A fascinação de um parceiro pela morte
Uma dinâmica usual que separa os parceiros resulta do fato de que um deles, de algum modo, está mais perto da morte do que da vida. Essa pessoa não está realmente presente, e toda a luta do outro para retê-lo apenas agrava o conflito. Assim, certa mulher ficou muito tocada quando, numa constelação, pôde ver em que direção olhava o ex-marido do qual acabara de separar-se como sua quinta mulher (ele vivia trocando de mulheres). Na constelação, seu representante não olhava para nenhuma de suas mulheres e namoradas, cujas representantes tinham sido colocadas ali, mas apenas para uma antiga noiva que, pouco antes do casamento, morreu num acidente. Ele queria seguir essa mulher na morte, como se só assim pudesse consumar-se esse grande amor.
Um homem muito bem sucedido e, não obstante, solitário, ficou muito assustado quando se revelou em sua constelação que ele, no meio de todos seus casos, levava consigo esta frase: “Antes te amar do que morrer”.
Sentia-se atraído por sua mãe, que morrera muito cedo, e na constelação só encontrou paz junto dela. É como se tivesse sentido toda a sua vida através dessa atração por sua mãe, e tivesse se defendido dela através desses amores. E talvez também tivesse procurado encontrar neles sua mãe viva, naturalmente não a encontrando.
Nas camadas profundas da alma de homens violentos e mulheres agressivas manifesta-se, às vezes, um grande desespero, o medo de perder o parceiro pela morte e uma luta impotente contra isso. Muitos casamentos fracassaram no pós-guerra porque o homem não conseguia aceitar o fato de ter sobrevivido, em face dos numerosos companheiros mortos com quem diariamente lutara pela sobrevivência. Mesmo voltando para casa, ele desejava, no íntimo, juntar-se aos companheiros mortos. Abala-nos sempre perceber, no decurso de constelações, em quantos conflitos de casal existe, bem no fundo, uma questão de vida e de morte, e quanto de emoção e de entendimento mútuo se libera quando isso vem à luz e, na medida do possível, pode ser resolvido.
Gostaria de mencionar aqui, muito rapidamente, uma dinâmica que se revela cada vez mais, logo que ficamos atentos a ela. Dois parceiros se encontram, em muitos casos, devido à existência de destinos semelhantes em suas famílias de origem. Quando, por exemplo, há um filho presumido na família de um dos parceiros, o mesmo ocorre, com freqüência, na família do outro, muitas vezes com diferença de uma geração. Se numa das famílias os homens têm uma posição desfavorável, isso também acontece freqüentemente na outra família. Se uma das famílias sofre os efeitos de destinos envolvendo criminosos e vítimas, o mesmo ocorre geralmente na outra família. Parece que instintivamente percebemos no parceiro os destinos de sua família, no que têm em comum com os destinos da nossa. São bem diferentes, entretanto, os padrões de lidar com tais destinos. Assim, com freqüência as pessoas se completam pelo lado funesto: por exemplo, um dos parceiros se identifica com as vítimas de um avô no regime nazista, enquanto o outro se envolve com um avô que pertenceu às forças de choque do regime.
Quando ambos os parceiros comparecem a um trabalho para casais, em grupo ou num aconselhamento privado, as conexões que vêm à luz proporcionam muita compreensão recíproca e uma visão do quadro de fundo das dificuldades de relacionamento. Também para o terapeuta é emocionante presenciar quando o auto reconhecimento de um casal envolvido nos destinos familiares se manifesta de uma forma que reforça seu vínculo no amor.
O movimento amoroso interrompido
Uma dinâmica importante nos conflitos de casal se mostra quando há um movimento precocemente interrompido no amor dirigido à mãe. Isto não constitui, em sua origem, um conflito sistêmico, e só se torna tal quando é transferido para a relação conjugal. Uma interrupção no movimento amoroso origina-se na criança pequena quando ela é separada da mãe nos primeiros anos de vida, geralmente por força do destino, por exemplo, porque a mãe teve de ficar hospitalizada por várias semanas depois do nascimento, ou porque a criança de um ano precisou ser internada para uma operação, ou porque a mãe morreu quando a criança tinha três anos. Trata-se portanto de uma separação prematura que sofre a criança, principalmente em relação à sua mãe, às vezes também ao seu pai. O efeito que isso terá sobre a vida posterior da criança, e principalmente sobre os seus relacionamentos, será tanto maior quanto mais existencialmente ameaçada esteve a criança e quanto mais ela teve de abandonar a esperança de recuperar a proximidade da mãe.
Quando um homem ou uma mulher olha para o seu parceiro, sente o desejo de amá-lo e de ser amado por ele. Entretanto, ao se aproximar do parceiro, surge na pessoa, como num reflexo, o antigo medo da criança, de perder sua mãe e de não poder mais confiar nela, junto com uma grande dor e uma profunda resignação. Esse padrão é transferido inconscientemente ao parceiro e uma luz vermelha se acende: “Não quero sofrer isso de novo. Prefiro me retirar logo disso”. Entretanto, como todo mundo gosta de amar e de ser amado, a pessoa volta a tomar um impulso e a procurar o parceiro. Mas, logo que se chega ao amor, emerge novamente o medo da criança pequena e a pessoa torna a recuar. Isto foi descrito por Bert Hellinger como o círculo vicioso da neurose. A maior parte dos chamados conflitos de proximidade e distância têm assim sua origem num movimento precocemente interrompido em direção à mãe. Esses conflitos não podem ser resolvidos na própria relação conjugal, mas exigem que a criança presente no adulto, numa experiência retroativa, seja acolhida com força e amor por sua mãe ou por um terapeuta que a substitua. Isso exige uma experiência de transe ou uma vivência corporal em que o adulto se sinta de novo como uma criança pequena e que, como uma criança pequena, experimente um abraço que lhe permita atravessar a dor e recuperar a confiança em sua mãe.
Quando, na terapia de casal, trazemos assim à luz, de uma forma liberadora, fatos passados, isso ajuda o “amor à segunda vista” (Bert Hellinger), a saber, as dimensões mais profundas de um amor dotado de visão. Representa uma ajuda para o futuro e para um amor bem sucedido do casal (mesmo que, no caso de uma separação, apenas para o tempo em que ainda havia amor). Uma compreensão retroativa só tem sentido na medida em que abre para o casal novos passos para o futuro, no sentido do título de um dos livros de Bert Hellinger: “Vamos em frente”.
A dimensão espiritual da terapia de casal
Quando as constelações na terapia de casal são bem sucedidas, elas abrem para os parceiros um caminho espiritual para o bom êxito de seu relacionamento. O “espiritual” é entendido aqui num sentido mais amplo, como uma espécie de purificação do relacionamento, e como uma forma de inserir-se no espaço maior da alma, que transcende o próprio relacionamento. Também neste particular apontarei brevemente os pontos essenciais.
A fila dos antepassados
A vida nos vem através de nossos pais, mas não se origina neles. Ela vem de longe. Às vezes, podemos colocar os parceiros de frente um para o outro (e isso costuma ser muito útil quando há problemas sexuais) e, atrás de cada um deles, uma fila de antepassados. Isso permite perceber a força da vida que vem de longe e é transmitida através dos antepassados, e também a alegria de viver. Esta conexão, através dos antepassados, com a ampla totalidade da vida é um ato religioso fundamental. Ao realizá-lo nesse espírito, cada um pode sentir, em si mesmo e no parceiro, o que isso proporciona em termos de afluxo de força, de movimento amoroso para o parceiro e de uma união aberta, no sentido de uma vida mais ampla.
O ato de encarar-se
Só conseguimos manter muitos conflitos de relacionamento porque realmente não nos encaramos. Os sentimentos que não podemos manter quando nos olhamos nos olhos não contribuem para o bom êxito do relacionamento. Eles nos mantêm presos a todo tipo de fantasias e de padrões antigos, que nada têm a ver com a relação conjugal. É realmente um exercício espiritual diário desprender-se continuamente desses sentimentos e pensamentos que não conseguimos manter de olhos abertos.
O respeito pelos mais antigos e a primazia do novo
Para o êxito do amor existe um processo indispensável, que tem a ver com o respeito pelos mais antigos e com o progresso. O primeiro passo é este: “Respeito os meus pais e a minha família, e tudo o que vale nessa família”. O segundo passo diz: “Respeito os teus pais e a tua família, e tudo o que vale em tua família”. O terceiro passo costuma ser doloroso. Ambos os parceiros olham para seus pais e lhes dizem interiormente: “Preciso deixar vocês e me desprender também de muita coisa que era importante para vocês. Preciso deixar o que está em oposição ao que traz o meu parceiro em termos de hábitos, normas, valores, fé ou cultura, e o que me impede de dar prioridade à minha união atual e à minha família atual”. E, num quarto passo, os parceiros se encaram e dizem um ao outro: “Vamos fazer algo de novo a partir do antigo que trouxemos, algo que acolha e transcenda o que ambos trouxemos, algo de novo que una e que leve ao futuro, e no qual possamos crescer juntos como pessoas autônomas.”
Da necessidade de partilhar
Muitos conflitos de casal resultam do desejo de que o parceiro satisfaça as nossas necessidades infantis, como se ele tivesse de dar-nos o que deixamos de receber de nossos pais. Isto, porém, sobrecarrega o parceiro, principalmente quando veicula esta mensagem: “Sem você não posso viver!” A solução espiritual reside em ficar em paz com os próprios pais e em dizer ao parceiro: “O que recebi de meus pais basta, e isso eu partilho de boa vontade com você. E o que você traz dos seus pais basta, e eu me alegro se você o repartir comigo. E o que ainda nos falta nós conseguiremos por nossas próprias forças”. Quando este nível adulto de partilhar e de comunicar-se tem força, podemos nos permitir, às vezes, acessos de necessidades infantis, como em situações de estresse e doença. O parceiro estará presente por algum tempo, suportando e dando, até que melhoremos.
Liberdade através do relacionamento
Aqui direi algo de ousado. Às vezes pensamos que, se estivéssemos sós, seríamos mais livres em nosso desenvolvimento e em nossas possibilidades. A realidade é o inverso. A evolução nos ensina que a associação dos parceiros (não a uniformização associada a uma compulsão totalitária) diferencia cada indivíduo, torna-o mais variável em seu pensar e agir do que quando fica confinado à própria individualidade. Quando, com vistas ao parceiro, temos de nos defrontar com coisas novas e procurar novas formas de equilíbrio interno e externo, isto nos libera um pouco dos próprios esforços, que são freqüentemente cegos, em nosso interior. Ganhamos em variedade e equilíbrio, que são pressupostos imprescindíveis para um certo grau de liberdade. Talvez a melhor maneira de descrever a realização espiritual e simultaneamente a realização sistêmica básica na relação do casal seja utilizar, num sentido um pouco mais amplo, as palavras de Bert Hellinger: “Eu amo você e amo aquilo que suporta, dirige e desenvolve a você e a mim”.
Jakob Robert Schneider(*)
(*) Original: “Wege in der Paartherapie”, em: Praxis der Systemaufstellung, 1/2002. Versão elaborada de uma conferência proferida no 3º Congresso Internacional de Constelações Sistêmicas (Würzburg, Alemanha, 2001). Traduzido por Newton Queiroz, Rio de Janeiro, jan. 2003.